Hominescências

Hominescência, neologismo criado por Michel Serres, designa a emergência hominiana. Devastamos os ecossistemas de tal maneira que hoje, no início do século 21, vivemos sem garantias futuras de usufruir de águas, terras e ares, a não ser que uma antropolítica preservacionista e sustentável seja posta em marcha. Acredito que seja esse o sentido da hominescência: uma esperança que se mescla com inquietudes generalizadas e medos recalcados

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Local: Sao Paulo, Sao Paulo, Brazil

Professor e mestre em Ciencias Sociais - Antropologia Urbana pela PUC-SP. Músico e estudioso da cultura popular e indústria cultural: música industrializada.Ministra aulas na graduação e pós-graduação da Faculdade Sumaré e no curso de Comunicação Social da FMU.

sexta-feira, setembro 12, 2008

Psique Bárbara



Psique Bárbara
(breve experiência numa sala de projeção - Tropa de Elite)
23:57h. Acabo de chegar do cinema. Fui ao mais próximo de casa. As vantagens de morar em bairros de classe-média é que há sempre um cinema próximo. Ainda mais, se for na zona sul da capital paulista. Cheia de templos do consumo.
Cinemark, quase lotado. Fico pensando: se não fosse a pirataria e um tema tão "corrosivo", esse filme teria conseguido tantas salas neste cinema?Que contradição! Que coisa ruim? Que coisa boa!
Bem, comprei minha meia-entrada, graças à minha condição de "bolsista" pequeno-burguês, como coloca Bourdieu ao comentar sobre os agentes do campo (críticos de arte, pós-graduandos, artistas, etc...) em Regras da Arte, para Tropa de Elite. Afinal, nossos amigos, nossos canais especializados e colunas de jornais, aclamam recente produção cinematográfica. Merece!
Não venho aqui fazer uma repetição e nem uma crítica do filme. Todos sabem do que se trata e como a barbárie é tão bem retratada. Atores excelentes! E o enredo "tricota" capciosamente os integrantes do BOPE, da polícia militar e do tráfico da cidade maravilhosa.
Cenas violentas, a corrupção, a leniência governamental, a corrosão do caráter (Sennett), a ética, a "verdadeira" cultura organizacional e a barbárie. Quem foi assistir o filme tinha noção de que essas questões seriam tratadas.
Apesar de toda a barbárie que existe nos morros cariocas, não foi apenas essa que me impactou. Mas, a barbárie do silêncio e do riso.
Não vou dizer que cenas como à que se passa na mecânica da corporação militar, não tinham alto grau de jocosidade. E naquele momento, onde se mistura incompetência administrativa com burocracia ineficiente, o riso sai instantaneamente. Afinal, filme é entretenimento e arte. Só entretenimento? Só arte?
Por um momento pensei ser arte. Em outro, só entretenimento.
E por que falo isso?: A psiqué bárbara.
Tropa de elite não é só entretenimento. Ele está fincado com os dois pés na realidade e no entretenimento. Mas, mesmo sabendo de tudo isso surge a Segunda barbárie.
Uma sala preenchida de indíviduos bem trajados, notadamente pertencentes à parcela influente da sociedade, libera gracejos com cenas de violenta brutalidade. O sangue que jorra da cabeça "estourada" do traficante, a troca de tiro em meio à população civil e a prática de asfixia para a confissão da contravenção ou da delação diverte boa parte da platéia.
Não posso afirmar quantos se manifestaram dessa maneira, mas percebia-se que a porcentagem deveria estar entre 50-70% de público "tão seleto". Não pretendo neste artigo obedecer nenhum rigor científico, mas registrar uma observação participante.
O espetáculo tomou conta da realidade e a realidade tomou conta do espetáculo?Sim! Nós sabemos. Será que Guy Debord estava certo quando disse " que foi o entretenimento, e não a religião que se tornou o ópio do povo"?
Espere! Agora o Grand Finale. A cena final anuncia a caçada do BOPE ao chefe do tráfico. A tensão é latente e as cenas de violência e violação à qualquer direito aumentam gradualmente. O estado de bárbarie está no meio de nós, no meio da nossa vida, no meio da sala de projeção. Não há como escapar.
O capitão do BOPE, vivido por Wagner Moura, encontra a sua presa. O "baiano" implora por sua vida. Quer uma morte decente. O capitão pára, pensa e troca seu fuzil por um calibre 12 de maior poder de destruição. A platéia se devaneia em riso.
Um riso sádico, um riso de desespero desapercebido, um riso triste de uma psique bárbara!
Fim!
01:10h.
Claudio Sá
Músico e Prof. MSc. em Antropologia PUC-SP

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Quando vi o povo rindo dessas cenas que você muito bem descreveu, eu senti um vazio muito grande. Uma vergonha provocada por pertencer a mesma "classe social" que esses neofascistas.

Digo isso porque os oprimidos pela violência do filme são tipos que não interessam para a classe média. Tipos invisíveis. Isso ficou claro no filme.

Aliás esse filme serviu muito bem para mostrar a classe média brasileira. O pior tipo são os hipócritas, cheios de um discurso politicamente correto.

O fato: moradores da periferia (sobretudo negros do sexo masculino) estão sendo dizimados pela violência do estado e do ambiente em que vivem. Enquanto isso, a classe média se diverte.

11:24 AM  

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